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domingo, 11 de novembro de 2007

País gigante, defesa pobre

País gigante, defesa pobre

Maior e mais populosa nação da América do Sul, Brasil corre para reequipar tropas militares e substituir navios, tanques e aviões sucateados enquanto a vizinha Venezuela se arma até os dentes

Michel Alecrim, Marco Aurélio Reis e Ana d’Angelo

Rio - Asfixiadas pelos constantes cortes orçamentários nos últimos anos, as Forças Armadas não hesitaram em bater à porta do Congresso para pedir socorro. Atrás de mais recursos, os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica escancararam, em audiências na Comissão de Relações Exteriores da Câmara, a situação precária em que se encontra a máquina de defesa do Brasil. A radiografia apresentada revelou um estado de sucateamento do arsenal brasileiro: aeronaves, veículos e blindados parados por falta de manutenção e de peças; submarinos inativos; fuzis em uso há 42 anos; peças de artilharia da época da Segunda Guerra Mundial; falta de munição para treinamento; projetos de aquisição de armamentos parados.

Enquanto isso, na vizinha Venezuela, o polêmico presidente Hugo Chávez tem ido às compras no mercado bélico, desde 2005, com notável avidez. Começou com a aquisição de 100 mil fuzis Kalashnikov AK-103 e AK-104 russos. Desde então, a cesta venezuelana incluiu radares móveis, submarinos, helicópteros e mísseis-terra. Em julho de 2006, a Venezuela adquiriu 24 exemplares dos cobiçados caças Sukhoi, também da Rússia, considerados os aviões de guerra mais modernos e poderosos do mundo. Foi quando acendeu um sinal de alerta no Brasil. A cúpula militar não admite uma corrida armamentista em curso na América do Sul. O Comando do Exército reconhece apenas que o Chile está em melhor condição em termos tecnológicos. Mas os especialistas vêem motivos para preocupação.

“É uma situação que preocupa, principalmente em relação às alianças que podem ocorrer. Não sabemos o que a Venezuela pode fazer para apoiar a Bolívia, com a qual temos um desentendimento. É uma situação nova para o País”, avisa o professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Expedito Carlos Stephani Bastos, especialista em assuntos militares. Para ele, se nos próximos 10 anos o País não se atualizar, será superado por Venezuela, Chile e Colômbia. O Brasil destina menos de 2% do Produto Interno Bruto (soma das riquezas, bens e serviços produzidos no País) com defesa. Deste percentual, a maior parte (80%) é de gastos com pessoal da ativa e inativos. Já o Chile investe 3,1%; a Bolívia, 2,1%; a Colômbia, 2,8%, e a Venezuela, 5,7%.

APOSTA NAS EMENDAS

Na proposta orçamentária enviada ao Congresso, o governo reservou R$ 4,9 bilhões em 2008 para o reaparelhamento (investimentos) das três Forças. É mais que o dobro dos recursos liberados nos últimos cinco anos. Mas corresponde, no entanto, à metade do que Exército, Marinha e Aeronáutica consideram necessário para o ano que vem. Por isso, os comandantes passaram a mirar as emendas dos parlamentares ao projeto.

Os congressistas sensibilizaram-se com os apelos dos comandantes. “Todos reconhecem que as Forças Armadas estão desaparelhadas, numa situação-limite”, afirmou a O DIA o presidente da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara, deputado Vieira da Cunha (PDT-RS). No entanto, não há garantia sobre o volume de recursos que serão destinados nem propostas escolhidas. Cu-nha admitiu que não será possível apresentar uma emenda ao projeto de lei orçamentária para cada Arma. Isso porque a comissão só tem direito a três emendas e uma já está reservada ao Itamaraty. A saída seria outra comissão da Câmara abraçar a causa dos militares. Em resumo: nada certo.

ESPECIALISTAS VÊEM ‘REVANCHISMO’

O descaso com as Forças Armadas é atribuída por especialistas a uma ‘revanche’ dos governos civis que sucederam a ditadura militar e reduziram investimentos no setor. A segurança nacional, considerada vital para a manutenção da soberania, acabou perdendo prioridade.

“As reivindicações dos militares são associadas à Revolução de 64, apesar de serem estratégicas”, avalia o professor da UFJF Expedito Carlos Stephani Bastos, que vê o quadro se agravar no governo Lula.

Williams Gonçalves, professor de Relações Internacionais da UFF, diz que existe um “ranço da ditadura” em setores da sociedade, apesar da boa imagem no conjunto da população.

Para o professor da UFRJ Domício Proença Júnior, o maior problema é a falta de política de defesa que decida por um projeto de força integrado. “O Ministério da Defesa é o terceiro orçamento da República. A questão é que a decisão de rumo, a direção de defesa, não pode continuar inercial, mais do mesmo”, criticou Proença.

Uma das principais fragilidades apontadas é a proteção do espaço aéreo. Enquanto Venezuela, Chile e Peru têm caças modernos, o Brasil não tem aeronaves capazes de derrubar esse tipo de avião. “Nossa Força Aérea só abate avião de traficante. Estamos praticamente sem avião de caça”, ressalta o professor da UFF Ronaldo Leão.

A exploração de petróleo em águas profundas através de plataformas também é apontada como ponto frágil devido à falta de navios-patrulha por parte da Marinha.

Demora perigosa na reação

Apesar da movimentação venezuelana, o Brasil tem demonstrado demora na reação para reinvestir em suas Forças Armadas, cuja missão de Segurança Nacional prevê patrulhar a costa oceânica e as fronteiras, o que inclui a linha de 12 mil quilômetros que separa a cobiçada Região Amazônica brasileira das nações vizinhas.

Em junho, o Conselho Militar de Defesa, criado para assessorar o presidente da República, se reuniu pela primeira vez no governo Lula. Mesmo assim, o encontro foi convocado por Waldir Pires, um ministro enfraquecido por causa da crise na aviação civil.

A situação das tropas brasileiras e a ação dos países vizinhos foram discutidas, mas Pires não sobreviveu para cumprir o que prometeu: mais recursos para os quartéis e fortalecimento da indústria bélica nacional.

O novo ministro da Defesa, Nelson Jobim, assumiu o lugar de Pires com a promessa de viabilizar investimentos. Por enquanto, comemora o aumento de R$ 3 bilhões nas dotações para investimentos, em 2008, e a criação de grupo de trabalho para elaborar o Plano Estratégico de Defesa Nacional. De imediato, a Aeronáutica teve sinal verde para empenhar US$ 2,2 bilhões com parte de gastos ainda este ano, para retomar o programa de aquisição de 24 a 36 caças, batizado de Projeto FX-2. O programa visa a superioridade da FAB no espaço áreo, hoje comprometida.




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